sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Ester Quintana

O testemunho de uma manifestante pacífica que perdeu um olho mas não perdeu o medo.
Partilha a sua história e protesta.
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Ester Quintana, de 42 anys va perdre un ull per l'impacte d'un projectil llançat pels Mossos d'Esquadra el 14N.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A greve geral, as manifestações, provocações e repressão policial, no dia 14 de novembro


Uma Greve Geral excepcional

"Trabalhadores dos sectores dos transportes, portos, aeroportos, comunicações e telecomunicações, administração pública central, regional e local, indústria, comércio, serviços, minas, agricultura, e pescas realizaram uma das maiores Greves Gerais dos últimos anos em Portugal, complementada por 39 concentrações que contaram com a participação de dezenas de milhares de trabalhadores.

A CGTP-IN a todos saúda e incentiva a prosseguir em unidade a luta pelos direitos e salários e por um Portugal com futuro."


Os últimos dados


"SHOTGUNS, ROTTWEILLERS E GÁS PIMENTA" (Olhe que não)


  A manifestação







Manifestação e provocação





Violência policial

A carga policial vista no meio dos manifestantes (Rádio renascença)


"Quando, às 17.30, me apercebi que nada pararia uma minoria de idiotas, abandonei o local. Muitos decidiram ficar, mantendo a devida distância dos desordeiros, sem que, como vimos mais tarde, isso os livrasse de ser vítimas da violência policial. Era certa a injustiça: a enorme coragem que tantos trabalhadores portugueses mostraram, ao correr o risco de fazer greve (muitos deles precários e em risco de perderem o emprego) e ao perder um dia de salário que tanta falta lhes faria, seria esmagada pelas imagens de violência que sempre têm a preferência dos media.
(...)
No dia 15 de Setembro elogiei o comportamento das forças policiais. Quando querem evitar o confronto sabem bem como o fazer. Isolando os provocadores e garantindo o direito à manifestação da maioria pacifica. Quando as ordens parecem ser diferentes é fácil contribuir para a violência. Foi o que aconteceu ontem. Uns tantos idiotas de cara tapada e as ordens certas vindas de cima chegam para garantir que uma greve geral com mais adesão do que o esperado pelo governo morra nos telejornais." (Expresso)


"O que pergunto é por que misteriosa razão (ou talvez não) aquela barreira de agentes militarizados, e todos os outros que estavam por perto, não receberam ordem para rodear essa pequena frente de manifestantes para a impedir de continuar. Tinha sido muito fácil e não pode ter acontecido por acaso." (entreasbrumasdamemoria.blogspot)


"...Sim, é verdade que cerca de 20 a 30 pessoas passaram mais de uma hora a atirar petardos, pedras e garrafas à polícia. Por essa razão, os outros 99% de CIDADÃOS PACÍFICOS mantiveram a devida distância, para nem serem confundidos nem fazerem parte da acção de alguns animais. A certa altura, as pessoas perceberam que algo se estava a passar. Demasiadas movimentações de polícia na Assembleia demasiado organizadas.
Cá em baixo, numa das laterais um grupo de polícia à paisana abandona rapidamente a manifestação. Mais tarde, as televisões diriam que as pessoas foram avisadas para dispersar. Cá de baixo, posso-vos dar uma certeza, nenhuma pessoa com uma audição normal ouviu um único aviso.
A polícia disparou cerca de 4 a 6 petardos pela manifestação e carregou. Como estávamos todos bem afastados, os CIDADÃOS PACÍFICOS não fugiram. Mas quando vi um pai a fugir com o filho no colo e a levar bastonadas percebi que quem estava atrás das viseiras já não eram pessoas." (Facebook 1)


"A polícia, cumprindo ordens, agiu conscientemente e indiscriminadamente sobre manifestantes inocentes. Fê-lo de forma violenta, sobre homens, mulheres, jovens, idosos e crianças que se manifestavam pacificamente, aliás, por mais de uma vez, manifestantes, discordando do arremesso de pedras contra a autoridade, colocaram-se em frente ao cordão policial, de mãos no ar, viradas para os arremessadores de pedras a pedirem a estes que não agredissem a polícia. Eu vi. tanto, que os primeiros feridos "cabeça rachada" foram esses mesmos manifestantes, que num acto de apaziguamento e defesa da integridade física dos agentes que constituíam o cordão policial se colocaram entre estes e os atiradores de pedras e garrafas. Foram estes manifestante as primeiras vítimas das pedras e garrafas arremessadas pela pequena urbe de arruaceiros. (...) Eu sei o que vi. Se a polícia tivesse querido, teria rodeado aqueles arruaceiros com facilidade, teria detido a maioria deles e não teriam perseguido e agredido inocentes." (Facebook 2)




O sequestro

"Posso testemunhar que no caso de um detido, já posto em liberdade, foi recusada à família por mais do que uma vez , durante um período de três horas, a informação do local em que o detido se encontrava. Agentes e comissária diziam que TINHAM ORDENS para não dar essa informação. A prisão em local indeterminado configura-se como SEQUESTRO. Lembra os procedimentos típicos das ditaduras da América Latina? Pois lembra." (Facebook 3)


"Advogada diz que PSP impede acesso a detidos" (DN)


"Ordem dos Advogados diz que foram cometidas ilegalidades nas detenções junto à AR" (Sic notícias)


"Detidos na manifestação em frente ao parlamento ainda não foram presentes a tribunal" (Sapo notícias)


Tácticas de repressão – uma análise objectiva (bilioso incondescendente)


"Cheguei a São Bento acompanhada do meu namorado e dois amigos por volta das 16:00/16:30 quando o Arménio Carlos da CGTP ainda estava a discursar. Mantive-me lá alguns instantes, tendo depois chegado outra amiga nossa. Entretanto desloquei-me com uma amiga ao Mini Preço e qual não foi o meu espanto ao ver quando voltámos que já as grades tinham sido derrubadas e já um enorme alvoroço ocorria. Quem esteve presente não pode mentir e ser hipócrita dizendo que não houve violência da parte dos manifestantes pois é claro que houve, durante duas horas os polícias do corpo de intervenção foram agredidos com pedras da calçada, balões de tinta, garrafas de cerveja, etc. Foram agredidos sim, mas por uma MINÚSCULA minoria dos que estavam presentes na manifestação! No meio de milhares de pessoas talvez só umas 10 (e bem visíveis) arremessavam pedras e outros objectos. Independentemente da agressão que sofreram NADA justifica o que se passou em seguida… de repente, sem qualquer aviso prévio, (embora a comunicação social e a PSP insistam que houve um aviso feito através de megafone quem esteve presente na manifestação sabe tão bem quanto eu que não se ouviu absolutamente nada e que não foi feito qualquer esforço para que se ouvisse…) a polícia carregou sobre os manifestantes com uma brutalidade sem medida e que eu jamais tinha visto na vida. Como todos os outros comecei a correr e encostei-me à parede, de seguida várias dezenas de pessoas (muitas de idade avançada) se juntaram a mim e tentámos todos proteger-nos uns aos outros. A maioria das pessoas chorava e gritava “PAREM! PAREM POR FAVOR! NÃO FIZEMOS NADA!” e a polícia continuava a espancar toda a gente sem dó nem piedade e ainda com mais força! Vi velhotes a serem espancados, sei de pessoas que viram pais a serem espancados com os filhos pequenos ao colo, sei de pessoas que viram a polícia a tentar espancar uma pessoa de cadeira de rodas e vários manifestantes a rodeá-lo apanhando a pancada por ele para o protegerem. No meio de tanta violência, confusão e multidão histérica tentando sobreviver o melhor que sabia, consegui fugir com o meu namorado mas acabámos por nos perder dos nossos amigos. Continuámos sempre a fugir em direcção à Avenida Dom Carlos I, várias vezes parámos pelo caminho pensando que a polícia já não vinha atrás de nós, e várias vezes tivemos que fugir novamente pois a perseguição continuava. Acabámos por encontrar novamente um dos nossos amigos e depois de vários chamadas telefónicas soubemos que as duas meninas nossas amigas tinham ficado retidas pela polícia, marcámos um ponto de encontro e passados uns minutos elas lá conseguiram fugir e encontrámo-nos todos. Daí para a frente o nosso único objectivo era conseguirmos perceber o que se estava a passar mas acima de tudo assegurarmos também a nossa segurança, mas rapidamente percebemos que tal não seria possível. A polícia pura e simplesmente não parava de perseguir os manifestantes! Continuámos sempre a fugir, parando pelo meio para curtos descansos pois a perseguição continuava… já na Avenida 24 de Julho pensámos estar safos mas que mera ilusão, aí ainda foi pior! A Polícia continuava atrás de nós e de muitos outros mas desta vez disparando balas de borracha! Todos corremos apavorados o máximo que podíamos até que de repente mesmo ao pé da estação de comboios fomos interceptados por um grupo de polícias à paisana que violentamente e chamando-nos todos os nomes e mais alguns nos obrigaram a encostar às grades da estação enquanto mandavam ao chão e agrediam outras pessoas. Lá ficámos sendo enxovalhados e revistados vezes e vezes sem conta. Os rapazes foram todos algemados (uns com algemas e outros com braçadeiras) e separados das raparigas e de seguida fomos obrigados a sentarmo-nos todos no chão sem saber o que ia acontecer pois os polícias só nos intimidavam e não respondiam a nada. Devo frisar que devíamos ser cerca de 15/20 pessoas todos na sua maioria jovens adultos (18/20 anos) e inclusive um rapazinho de 15 anos! Lá fui posta dentro da carrinha com as minhas duas amigas, com o meu namorado e com mais 6 jovens (um dos amigos que tinha ido connosco conseguiu fugir), ou seja 9 pessoas dentro de uma carrinha com capacidade para 6. Fomos dentro da carrinha (os rapazes todos algemados) sem nunca nos ter sido fornecida qualquer informação sobre o lugar para onde íamos ou sobre o que nos ia acontecer. Chegando ao local estivemos uns intermináveis minutos todos fechados dentro da carrinha até que com intervalos pelo meio nos foram tirando de lá um a um, até no final só ficar eu. Fora da carrinha agarraram em mim sempre a gritarem “BAIXA A CABEÇA! OLHA PARA O CHÃO CARALHO!”. Já dentro da “esquadra” (Tribunal de Monsanto, o que por si só representa uma ilegalidade) fui escoltada por uma mulher polícia até à casa de banho onde me obrigaram a despir INTEGRALMENTE, onde me obrigaram a colocar-me de cócoras para verem se tinha algo escondido na vagina ou no ânus, onde me obrigaram a tirar todos os brincos, anéis, pulseiras, atacadores dos sapatos e os próprios sapatos! Fui obrigada a dar o meu nome e data de nascimento. Ficaram com todos os meus pertences (incluindo o telemóvel que antes me tinham obrigado a desligar) e fui levada até à cela de meias num chão gelado! Lá á minha espera estavam as minhas duas amigas e outras duas meninas que também tinham sido detidas. O que se passou a seguir foram duas horas e meia ridículas e sem qualquer sentido… foram-nos sempre negados os telefonemas para casa, sempre que alguém falava nisso alegavam que não sabiam de nada, nunca nos disseram porque estávamos ali, nunca nos respondiam concretamente a nada, apenas mandavam bocas estúpidas! Ficámos na cela duas horas e meia ao frio, sem comer, sem beber, descalços e vá lá que nos deixaram ir à casa de banho embora às meninas tenham dito “espero que tenham aproveitado pois só lá voltam amanhã”. Passadas essas duas horas e meia fomos sendo chamados um a um para recolhermos os nossos pertences e para serem feitas as identificações. Foram preenchidas folhas em que nos eram pedidos todos os nossos dados (BI, nome dos pais, morada, telemóvel, telefone fixo, profissão, etc. …) tendo que assinar no final, caso não o fizéssemos não sairíamos dali. Lá fomos embora, vendo-nos todos no meio do Monsanto muitos sem saberem sequer como ir para casa.

Não fomos espancados na “esquadra” mas fomos todos vítimas de humilhação e violência psicológica. Todos fomos detidos injustamente sem nunca sequer termos sabido o porquê da detenção. Fomos perseguidos como criminosos desde São Bento até ao Cais do Sodré! Éramos todos jovens (como já frisei a média de idades devia rondar os 18/20 anos) cujo único crime cometido foi termos participado numa manifestação. Nem eu, nem nenhum dos meus amigos arremessámos qualquer pedra, garrafa ou o que quer que fosse, não o fiz desta vez nem em nenhuma outra manifestação. Fomos detidos e perseguidos injustamente quando já nos dirigíamos ao Cais do Sodré para apanharmos um táxi para casa!

Quem não esteve presente e não viveu tudo isto certamente pensará que estou a exagerar ou a dramatizar, mas acreditem que não, as coisas foram bem piores até do que aquilo que descrevo. A repressão policial sentida ontem foi muito, muito grave e digna dos mais nojentos regimes fascistas e ditatoriais! As pessoas estavam literalmente a ser espancadas e perseguidas nas ruas e não tinham ninguém que as protegesse! Eu vi velhos cobertos de sangue! Vi mulheres e homens aos gritos de medo e desespero!

Há quem sem sequer ter estado presente insista em “proteger” os polícias e dizer que agiram muito bem, que quem lá estava só tinha era que apanhar, que eles coitadinhos foram agredidos com pedras durante duas horas, que muito pacientes foram eles, que nós os manifestantes somos todos uns arruaceiros. A essas pessoas eu só vos digo: VÃO-SE LIXAR! Abram os olhos, abram a mente e vejam a realidade que vos rodeia! Vão a manifestações e vejam por vocês próprios o que realmente acontece! Sejam humanos, sejam solidários e deixem de acreditar em tudo o que a comunicação social vos mostra! NADA justifica tudo aquilo porque eu e milhares de pessoas passámos e isto não pode ficar impune! Toda a gente tem o direito de se manifestar sem ser agredido brutalmente ou perseguido! Fala-se num aviso feito pela Polícia de Intervenção mas ninguém ouviu esse aviso! Um dos rapazes que foi detido no Tribunal do Monsanto nem sequer tinha participado na manifestação, ia apenas a passar na Avenida 24 de Julho no momento das detenções! Acham isso bem? Acham correcto que dezenas de jovens inocentes tenham sido detidos sem terem cometido NENHUM crime? Eu não acho, acho vergonhoso, nojento e muito grave num país que se diz democrático e de 1º mundo! Foram queimados caixotes do lixo e postos a bloquear estradas? Sim foram, mas tudo como uma resposta de enorme ódio e revolta em relação à acção desumana da polícia! Eu era a primeira a ser contra o arremesso de pedras mas depois do que vi e vivi ontem digo com a maior tristeza do mundo: quem age assim não é um ser humano, é uma criatura maldosa e formatada e merecem o que lhes venha a acontecer daqui para a frente. São cães raivosos, mercenários do Estado que vestem a farda da ditadura em vez de protegerem o povo!

A todos os que foram detidos comigo, principalmente quem veio comigo na carrinha e as minhas companheiras de cela: OBRIGADA a todos! Obrigada pelo apoio, pela união, pelo convívio e risos mesmo numa altura tão triste para todos, pelas canções e assobios, pela partilha de opiniões e experiências e acima de tudo por lutarem por um país melhor para todos! Obrigada também a todos os que estavam à nossa espera à saída do Tribunal do Monsanto e a todos os que se preocuparam connosco.

Estou viva, bem fisicamente mas muito, muito triste e desiludida com tudo o que vivi … ainda estou em estado de choque e a achar surrealmente grave tudo aquilo que se passou. Peço desculpa se o texto não está o melhor possível mas é muito complicado relatar com exactidão tão chocante experiência.

O objectivo era incutir-nos medo e fazer-nos não frequentar mais manifestações? Teve o efeito exactamente contrário: não me calam e jamais me impedirão de lutar por aquilo em que acredito! A luta continua sempre! VOLTAREMOS!" (Facebook 4)

"...O permanente elogio à paciência dos portugueses parece de facto esquecer uma realidade: eles não são, como outros povos, muito dados ao pim-pam-pum das puras reclamações folclóricas.
Quando se decidem a agir, costumam fazer “pum”!Aconteceu em 1385, 1640 e, mais recentemente, no regicídio e em 25 de Abril: com muita paciência, muito ordeiramente, mas de forma definitiva e radical." (ionline)

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domingo, 8 de abril de 2012

No Hospital São Francisco Xavier, não.

Escrevi este texto para a minha filha.
Em tom de conversa familiar, para que ela viesse mais tarde a saber do seu nascimento e também de como se dava à luz, nalguns sítios (como o Hospital São Francisco Xavier), no ano 2000.

As notícias do encerramento da Maternidade Alfredo da Costa e da dispersão das suas competentes equipas para esse e para um outro hospital fazem-me partilhar esta experiência convosco. (Público)

No Hospital São Francisco Xavier, não!

«Fui a uma ultima consulta com o obstetra, chefe do serviço de obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier, local onde irias nascer. Uma semana antes do dia previsto para o teu nascimento, entrei sozinha, porque como ele ia fazer “o toque”, o teu pai achou que seria constrangedor assistir. Eu também pensava assim, até o Dr. Ricardo Jorge nos dizer, no final da consulta, que tinha feito um “truque” e que se tudo corresse bem, tu nascerias naquele dia ou no seguinte (ou talvez só para a semana). O médico explicou-nos que tinha “descolado a placenta” ou seja, provocou o parto.

Não estivesse eu enebriada com plácidos sentimentos maternais (a gravidez correu-me muito bem), matava-o logo ali.

Saí furiosa e a rezar a todos os anjinhos para que o “truque” não tivesse funcionado. Não estava na agenda, nem a mala estava preparada.

Fomos ter com o teu padrinho (isso sim, estava agendado), para almoçarmos com ele e irmos depois ver uma impressora.

No restaurante senti algumas contracções, em nada diferentes das que já tinha sentido em final de gravidez, mas desta, com alguma regularidade. Comecei a cronometrar (direi até ao fim dos meus dias, “façam aulas de preparação para o parto”).

Quando chegámos ao local para a demonstração da impressora, ele disse para o técnico, em tom de brincadeira: Vai ter a criança hoje ou amanhã. O homem ficou com algum receio que eu resolvesse parir ali mesmo.

As contracções, entretanto, já tinham intervalos de 15 minutos. Sem lhes dizer nada, enquanto examinavam a qualidade e a rapidez da impressão em fotografia, fiz uma lista das coisas que me fariam falta na maternidade. Quando saímos, aproveitei um momento a sós com o teu pai e disse-lhe que era melhor irmos andando para casa. Desde esse instante até à altura em que deixei de o ver, no Hospital São Francisco Xavier, ele manteve a calma. Isso foi muito importante para que eu controlasse o trabalho de parto e pudesse, depois, reagir de forma acertada ao que aconteceu.

O teu padrinho deixou-nos em casa e foi ter com a tua avó a Sintra. Ao almoço, eu tinha estado a falar com ela ao telefone mas não quis alarmá-la, disse-lhe apenas para me telefonar à noite.

Já em casa, as contracções continuavam regulares e indolores, com intervalos de 10 minutos. Começámos a preparar a mala e telefonámos ao obstetra. Disse-me que se não sentia dores é porque não seria desta vez. Passados uns minutos, as dores começaram e telefonámos à tua avó. Ela ficou nervosa, segundo o teu pai, e insistiu para que fossemos rapidamente para o hospital (estava convencida de que irias nascer depressa porque quando eu nasci, quase nem teve tempo de se deitar na marquesa). Enquanto me vestia, arranjando forças nos intervalos das contracções, as águas rebentaram. Chamámos um taxi e telefonamos novamente á minha mãe, que desta vez ficou assustada e disse que ia ter connosco ao hospital.

O táxi parou à porta das urgências e saí no intervalo de uma contracção (ainda olhei para trás para ver se tinha sujado o banco). Tive tempo de chegar à portaria e apoiar-me no Paulo (bem-ditas aulas) para melhor aguentar mais uma contracção. Enquanto me escorria líquido pelas pernas abaixo a enfermeira queria que eu preenchesse uma ficha e insistia, desvairada, que eu não tinha que estar a despedir-me do marido porque ele podia ir comigo para cima.

Felizmente uma auxiliar mais atenta, trouxe-me uma cadeira de rodas e eu, deixando o Paulo a preencher a papelada, subi ao 3º andar. Descansei. “Agora é só fazer a respiração”.

Na recepção da maternidade, sentei-me num cadeirão e esperei pelo Paulo e que alguém me viesse buscar. A frequência das contracções estava a deixar-me inquieta relativamente ao teu estado de saúde. E de apoio hospitalar, nada.

Em frente, ao fundo da sala, havia uma porta com vidro e os parentes que esperavam outros partos iam espreitando. Quando eu já desesperava, apareceu o rosto da minha mãe, do teu padrinho e do meu irmão. Pedi que telefonassem ao meu dispendioso médico. O Paulo apareceu e lá me levaram numa maca, para observação. Largaram-me numa sala vazia, correrem uma cortina à minha volta e desapareceram...

Continuei a concentrar-me na respiração (que já não faço a mínima ideia de como é) e depois de algum tempo, ouvi passos do lado de fora da cortina. Perguntei porque não me atendiam, “Já estou naquele momento de fazer força!” e ela, “não faça força “ e saiu. Durante momentos que me pareceram horas, chamei, gritei, chorei e nada.

A aprendizagem que tinha tido sobre o parto, dizia-me que a dor que sentia, era a tua cabeça que já estava a empurrar, olhei para baixo e vi a cama cheia de sangue, não podia ficar à espera. Talvez o teu pai me ouvisse, alguém teria que me ouvir. No intervalo de um das contracções, respirei fundo, meti os dedos à boca e assobiei o mais que pude, deixei passar outra contracção e voltei a assobiar. As enfermeiras entraram na sala indignadas com o disparate "Quem é que est´a assobiar?". Gemer, chorar até gritar, são coisas próprias para mulheres parideiras mas assobiar . . . disse-lhes que estavas a nascer.

Não sei se pela pressão dos parentes lá fora, se pelo assobio, ou porque a senhora se assustou com o sangue, alguém me veio pegar na mão, acariciando-me o pulso e isso acalmou-me. “Já tenho a vossa atenção”. Fui “preparada” por uma enfermeira bruta como as portas e levada para a sala de parto.

Eu estava numa exaltação tal que, apoiada nos cotovelos, seguia de perto tudo o que a enfermeira fazia. E não me calava. “O que é que está a fazer agora?”, a parteira pediu para eu me calar mas quando eu lhe perguntei se preferia que gritasse, reconsiderou. Todo o processo, desagradável de descrever, foi para mim uma experiência única (e repito minha filha, única). Finalmente, o momento em que já se podiam fazer os exercícios praticados e A Força. A enfermeira (Fernanda Braga), tua parteira, disse antes da terceira ronda, “se aguentar tudo seguido, ela nasce já”. E nasceste.

Pousaram-te em cima do meu ventre e eu apenas tive tempo para te acariciar o pé esquerdo. Vinhas acinzentada e adormecida mas muito bonitinha. Levaram-te para fazerem testes (o teste APEGAR foi inicialmente 5 e passados cinco minutos, 8) e trataram-me, deixando-me depois estacionada numa fila de macas, no corredor. Depois de meia hora a tremer descontroladamente (o parto foi sem epidural, contrariamente à vontade do obstetra que não apareceu, mas como eu o queria fazer), voltei ao normal. Enquanto ia observando tudo à minha volta, pedia às enfermeiras e auxiliares que passavam para te trazerem.

Passada uma hora no corredor, ouvi uma bebé a chorar em plenos pulmões. Comentei com a parturiente da maca seguinte que aquela devia ser a minha. Mal sabia eu que calma me saíras. Dois dias depois, comentava em tom de brincadeira com os teu primos, que me tinham trazido uma bebé sem pilhas, que as outras mães da sala de recobro, invejavam o descanso que me davas. A enfermeira informou-nos que a criança que berrava era de outra e que a minha tinha ferrado a dormir. Passados mais uns momentos trouxeram-me bolachas e um copo de leite (iogurte?), tu vieste depois.

Já comentei com o teu pai o facto de não me lembrar, de todo, do momento em que te trouxeram e em que eu te peguei e te dei de mamar (agora tenho um vislumbre mas não sei se não fui eu que o criei). Ele acha que é porque a emoção foi muito grande e eu também acho que sim. Lembro-me de mais tarde pedir a uma auxiliar que passava para dizer ao teu pai que já estavas a mamar (que estava tudo bem). Estava preocupada, porque ele queria acompanhar o parto e não o deixaram fazer (havia uma outra parideira na sala). Devia estar muito ansioso.

Por fim, digo-te que, apesar de já ter tido dores de dentes bem piores, a experiência da maternidade, foi para mim, nove meses em estado de graça. O parto, naquele Hospital, é para esquecer.»